Os anões, o Corinthians, a Hebe, os Maias e Hassan



Ah, 2012, que ano mais obscuro. Acho que, em parte, os Maias não estavam errados. Eles previram alguma coisa. Tenho certeza. Não sou supersticioso. Está bem, vou corrigir. Não sou um tipo qualquer de supersticioso. Talvez, eu não acredite em nenhum desses mitos, crenças, causos, contos... Entretanto, o grande problema é que quero acreditar. Apego-me aos mais estranhos, curiosos e engraçados. Esses sim valem à pena.

Lembro-me de quando conheci o mito do “enterro de anão”. Realmente nunca tinha visto, ido a um e nem tido notícia de ninguém que houvesse realizado tal façanha. Fiquei perplexo. Daí pra frente, comecei a desenvolver um trabalho jornalístico investigativo de primeira linha, clippagem das boas, mesmo com a minha base teórica limitada a segunda série do Ensino Fundamental. Desmembrava a “sessão obituário” dos jornais, em busca de um, pelo menos um, anão falecido. Hoje - 17/10/2012 - somo um total de 569 páginas de obituários analisadas. Ainda sem registro de qualquer anão. Mas isso não vem ao caso. É apenas para não pensar que sou estranho sem nenhum tipo de fundamentação. Não é bem isso. E toda essa história é apenas um viés para chegar até o meu atual objeto de curiosidade: “2012”.

Nunca tinha ouvido a profecia Maia sobre 2012. Quando ouvi, fiquei perplexo. Vi filmes, documentários, pesquisei na internet. Decidi então acompanhar este ano de perto. Analisar minuciosamente os acontecimentos em busca de indícios que provem, ou não, que os Maias estavam certos. Admito: também por precaução. O ano começou tranqüilo – mas, de junho para cá, uma sucessão de acontecimentos fizeram com que eu ficasse realmente preocupado. O Corinthians ganhou a Libertadores, instaurou-se uma CPI para analisar escândalos de corrupção dentro do governo, Ronaldo – atualmente fenômeno só com o garfo na mão - está de dieta, a greve dos professores acabou e até a Hebe, ela que era idosa desde 1960 – tadinha - partiu desta pra melhor. Aliás, a morte da Hebe fez com que eu intensificasse o monitoramento. Passei a seguir Oscar Niemayer no twitter. Ele dá, ao menos, um tweet por dia. Chamo de tweet do alívio. A morte de Niemayer e a volta do Adriano, ex-imperador, atual patrão da Vila Cruzeiro, aos gramados, são duas coisas que acompanho. Penso que, caso um dos dois aconteça, um buraco negro será aberto, ou algo do tipo.

Só que, tudo isso, são frivolidades. O que realmente me chamou atenção, deu-me a sensação de fim dos tempos, de “2012”, foi quando abri um site jornalístico e vi a foto de um menino de 9 anos – Hassan – palestino. Ele portava um fuzil, semi-automático, que, se colocado de pé, ao seu lado, provavelmente, o superaria em altura. Fiquei perplexo. Resolvi ler a matéria. O repórter que a produziu perguntou: “Você não deveria estar brincando, ou na escola? Por que está com este fuzil na mão?”.  A criança, prontamente, respondeu: “Estamos em uma guerra santa. É isso que Deus quer. Sou somente um instrumento dele”. Hassan, palestino, quer ser um mártir. Não se importaria de morrer pela causa que luta, pelo contrário, ficaria honrado. Não se importa também em tirar a vida de outro menino, de 9 anos, como ele. E faria isso por este menino ter nascido do outro lado de uma faixa imaginária que separa Israel e Palestina, ou por não pactuar dos mesmos ideais. Não se trata de uma questão religiosa. Trata-se de uma questão humana. Mas Hassan é vítima. Guardadas as proporções, nada muito diferente de qualquer João, Marcelo, Carlos, meninos brasileiros que empunham uma arma, desde pequenos, a serviço do tráfico.

Quem sabe não foi isso que os Maias profetizaram. Profetizaram a história de um Hassan qualquer. Previram que os seres humanos destruiriam a si próprios.  Por jogos de interesses e  pela maldade de quem bitola, torna um semelhante alienado por ideais que sequer são dele, por ideais mascarados de “vontade de Deus”,” guerras santas”, “de guerras contra o terror”, contra o tráfico... Quem sabe não tenham previsto, exatamente, o fim do mundo. E sim nossas atitudes. Atitudes de quem, com ou sem intenção, destrói vidas, sonhos, mundos. Esse, pra mim, é o fim do mundo.

Uma semana e um ato para quatro anos


Vamos brincar de adivinhar o futuro? Domingo, por volta desta hora, muitos já terão decidido o destino que julgam ideal para suas cidades nos próximos quatro anos. Diante de si, apenas uma máquina - a urna eletrônica - aparentemente inofensiva, e que, talvez por esse motivo, não receba o nosso devido respeito.

A luta pelo direito do voto foi penosa, longa e lenta. Já passamos por diversas fases para construir, ou melhor, na tentativa de construir um processo eleitoral democrático e universal. Já houve épocas em que o eleitor era aquele que tinha posses, alta renda. Já votamos sob regime de cabresto, éramos coagidos. Tivemos tempos em que as mulheres não gozavam deste direito e outros em que todos perderam essa "prerrogativa". Após tantas reviravoltas neste processo, enfim, conseguimos assegurar, ao menos até o momento, o voto universal e secreto. O instante do voto é talvez um esboço de como o mundo deveria ser sempre e de como nós deveríamos encarar nosso próximo. É um raro momento em que o rico, o pobre, o muçulmano, o católico,o judeu, o alto, o baixo, o branco, o pardo e o negro, todos, têm o mesmo valor perante a sociedade e podem igualmente intervir e definir não só os seus, mas o destino de muitos ao seu entorno.

E depois de tanta luta, o que fazemos com esse verdadeiro patrimônio que adquirimos, chamado voto? Vendemos, trocamos, desperdiçamos, fazemos qualquer negócio. Cinquenta reais, dentaduras, algumas melhorias na fachada da da casa, ou algum tipo de cargo após a eleição. Tudo vira moeda nesse escambo moderno, que troca frivolidades por poder. Entretanto, a dentadura quebra, o cargo pode nem vir, os rebocos da fachada caem e os cinquenta reais não são suficientes para sanar o problema. Mas o político continua no poder. Se ele já tem tal tipo de atitude com poder, influência e verbas limitadas, imagine quando chegar ao cargo que almeja. É esse o indivíduo que quer para lhe representar?

Esse último final de semana antes do pleito marca também o "aniversário" de outro fato nevrálgico para a política brasileira. Quem sabe não seja coincidência, e sim uma manobra do destino para elucidar nossas mentes. Um aviso para não cometermos os mesmos equívocos. Há 20 anos, em 29/09/1992, a Câmara dos Deputados aprovava o processo de cassação de Fernando Collor de Mello, o "caçador de marajás", lembra dele? O primeiro presidente eleito após amargarmos anos de ditadura. O homem que quase metade do Brasil escolheu. Uma história que todos conhecem. Saímos às ruas com nossas caras pintadas, no, quem sabe, nosso último ato de dignidade, de não passividade diante da situação vexaminosa da gestão nacional. Só que não fomos nós quem derrubamos Collor. Ele mesmo contribuiu para sua derrocada. Cometeu o infeliz erro de acreditar em suas próprias fantasias, de crer que o São Jorge às suas costas o protegeria de tudo e que o personagem todo poderoso que havia criado era real. Hoje, os políticos estão vacinados. Não cometem esse tipo de erro. Vedam a boca de possíveis delatores de seus atos corruptos. Incluem-os nos esquemas. Tanto que, hoje, muitos cometem deslizes muito piores do que os do ex-presidente, e nada acontece. Mas Collor caiu.

Lembram quando perguntei se lembravam de Collor? Caso a resposta tenho sido sim, considere-se exceção. O mesmo ex-presidente - que a população queria tirar do poder - já foi recolocado, pela mesma. Fernando Collor de Mello é senador, pelo estado de Alagoas, e mais: membro do Conselho de Ética, isso mesmo, de Ética, do Senado. Algo no mínimo contraditório. Algo semelhante a Hitler presente em uma celebração de Bar Mitzvah. O caso de Collor é apenas um exemplo, e a "comemoração" do impeachment apenas uma lembrança. Lembrança para que todos fiquem cientes do poder que têm em suas mãos e da importância do voto. Então, no próximo domingo, sejamos conscientes. Ainda há uma semana para pesquisar, procurar saber mais sobre o candidato no qual depositamos nossa confiança. Quem sabe o "melhor" para a sua cidade não seja o do jingle mais dançante ou aquele que dedica mais abraços e agradecimentos. Quem sabe o melhor não seja repetir o "efeito Collor", de procurar o remédio após a enfermidade instalada, e não a vacina. Quem sabe o melhor, desta vez, seja votar consciente.

Por todos, o "Santos"


E hoje vai começar o embate. Quando Santos e Corinthians adentrarem ao gramado da Vila mais famosa do mundo, esta noite, não será apenas uma vaga na semi-final da Libertadores que estará em jogo. É um duelo de escolas, filosofias, condutas. Nada é tão oposto quanto Santos e Corinthians. E esta noite, e em todas as outras até a final, serei Santos, me desculpe, Tricolor.

A frase "o Santos é Brasil na Libertadores" nunca fez tanto sentido. A essência e a alma do nosso futebol parece, após agonizar, mostrar sinais de recuperação, com o Santos. Como é bom ver Neymar. Como é bom não esperar nada dele. Nada porque é imprevisível, é assustador, é genial. Como é bom saber que daqueles pés pode sair tudo, pra desespero dos "joões", órfãos de Garrincha. É bom saber que nosso futebol não acabou. Que não é xadrez, que não é feito, apenas, de físico, que é feito, fundamentalmente, de dom. E digo por mim: ótimo saber que camisa 10 não é lenda. Obrigado, Ganso.

Durante toda a história, os europeus tentaram incessantemente ser "brazileiros". Levaram nossos craques, às vezes, nossos técnicos. Não queriam mais ser apenas eficientes como eram. Queriam nossa graça, nosso talento, queriam fazer arte com a bola, assim como nós. Parece que conseguiram, com o Barcelona. Fizemos o caminho contrário. A cultura do resultado, do "um a zero é goleada", foi contaminando-nos. Viramos europeus, viramos Corinthians. Previsíveis, chatos, pragmáticos ao extremo. Um jogo de cartas marcadas, no qual não há blefe, nem um trunfo na manga. É baseado em "mais do mesmo por favor" e ponto. O objetivo é vencer pelo cansaço, pela aplicação.

Esse time do Santos faz-me experimentar um sentimento novo. Quem nunca ouviu os pais, avôs e bisavôs contarem saudosas histórias sobre o futebol de antigamente. Como tudo era tão romântico. Como era bonito ver o Santos jogar. Como Pelé aproximava-se da condição de deus. E como era "Divino" ver Ademir da Guia em campo. Particularmente, sinto inveja. Sou geração pós Ronaldo Fenômeno. Quem sabe "geração Ronaldinho Gaúcho" ou "geração Robinho". O primeiro só pude acompanhar pela televisão. O segundo, tive mais sorte. Consegui presenciar uma ou outra exibição. Mas nada que fosse pário às história que ouvia. Talvez por outra sorte dos mais velhos: tiveram Nelson Rodrigues, Armando Nogueira, João Saldanha. Tinham quem enxergasse e traduzisse o futebol de tal forma, tinham quem mitificasse os mitos. Mesmo com a ausência desses, percebo situação semelhante hoje. E, no futuro, serei eu quem tomarei o lugar dos pais, avôs e bisavôs e contarei com todo orgulho, e pompa de experiente, sobre as peripécias de Neymar, Ganso, Arouca...

Não, não torço para o Santos, para desespero de meu pai. E não é a "catequização anti-corinthiana", que sofri, e que todos os naturais da cidade de Santos sofrem, que está falando mais alto. Apenas gosto de sonhar. Nossa vida, o dia-dia, a rotina já são tão herméticos que, ao menos no futebol, acredito que devemos ter o luxo de sair do quadrado. É isso que o Santos faz. É isso que gosto de ver. Gosto de ter aquele sentimento de que, enquanto a bola rola, o mundo pára, os problemas dão trégua. Muito provavelmente quem não ama futebol não compreende. Mas este é o mito por trás da paixão inexplicável. O Santos faz-me sentir isso. O Santos é talento, ousadia e alegria em estado puro. É um pouco de cada um de nossos sonhos, personificados em craques, em lances, em magia dentro de campo. É um pouquinho de nós, brasileiros. É por nosso futebol, o original. É por nós.

Politicamente equivocado

O ritmo de nossa sociedade é, e sempre será, ditado por tendências. Calça boca de sino, blackpower, tamagochi, socialismo, capitalismo. Até mesmo os Menudos já exerceram influência e ditaram moda em nossas vidas. Pasmem. Entretanto, em minha humilde, sincera, talvez desqualificada, mas ainda, opinião, nada foi, e é tão prejudicial a nossa sociedade quanto esta onda do pensamento politicamente correto. Faço uma analogia, a respeito de nosso comportamento, com o de uma viúva, que traiu o marido, e agora, depois do sujeito já falecido, exalta-o por puro remorso. Tentamos reparar nossos erros passados com medidas paliativas, descabidas e, por vezes, equivocadas.

A opinião própria e a personalidade foram sucumbidas em nome de um discurso que promova uma suposta igualdade ou, ao menos, agrade a todas as partes. Até no futebol a coisa tá preta, ou melhor, "afrodescendente". A entrevista coletiva é embasada em "sim, com certeza, respeitar o adversário". Não existem mais "Tulios" ou "Vampetas". O politicamente correto calou-os. Não acho que tentar consertar equívocos cometidos seja uma atitude infundada. Contudo, acredito que a maneira que encontramos para fazer isso, e cito as cotas, que são a expressão do próprio preconceito embutido em nosso pensamento, é que não é a correta. Mas, hoje, ateremos-nos à superfície, a uma esfera mais frívola desta complexa discussão. Abordaremos apenas certas "nomenclaturas" que foram adotadas acredito que com o objetivo de proporcionar, ou melhor, tentar proporcionar, a inserção na sociedade de certos grupos sociais e reparar as discriminações causadas em outras épocas.

E foi assim que alguém teve a ideia de aplicar eufemismos para fazer referência a determinadas parcelas da população vitimizada. Porque, dessa forma, todos os nossos problemas estão resolvidos, não?! Assassinamos a boa e velha dona de casa. Ela agora,foi "promovida" a "do lar". E a sua empregada, então?! Deu um salto "gigantesco". Ascendeu ao posto de "secretária do lar". Os idosos, nossos queridos velhinhos, transformaram-se em membros da "melhor idade". O reumatismo e a aposentadoria medíocre foram mantidos, mas o "velho" soa pejorativo. Os negros, que já foram apenas pretos, agora são afrodescendentes. "Preto" é um termo tão pejorativo quanto branco, amarelo, vermelho. São apenas cores, em nada influem sobre caráter, princípios e valores do indivíduo. O problema é que nós somos preconceituosos. Abolimos a escravidão negra, mas não o pensamento de que uma certa parcela da população é inferior por ter a pele de determinada cor e realizamos um raciocínio deste toda vez que vamos nos dirigir a uma pessoa negra. É inevitável.  Quanto ao termo afrodescendente, especificamente, será que não é equivocado? Em pesquisa encomendada pela BBC, analisou-se o DNA do sambista Neguinho da Beija-Flor, que não adotou o apelido artístico por um acaso, e foi concluído que 67% dos genes do cantor têm origem europeia. E aí, ele é mais ou menos afrodescendente do que todos os outros brasileiros que, frutos da miscigenação, têm descendência africana? Será que Neguinho – antes que me processem, é apenas o nome dele, não é um termo pejorativo - recebe um rótulo de "marginalizado" sem ao menos merecê-lo? Qual o critério para tal classificação? Classificar pela aparência não seria politicamente incorreto ou, no mínimo, questionável? Eis a questão.

Obviamente é muito mais fácil adotar um termo ameno para mascarar nossas limitações do que resolvê-las. Tapar o sol com a peneira é uma excelente opção. A justiça apoia, o governo apoia, todo mundo apoia. Independentemente de os da "melhor idade" encontrarem-se em uma situação vexaminosa no que tange um sistema de saúde adequado. Independentemente da educação não atender a todos os brancos, negros, amarelos, roxos, azuis, a ponto de uma medida de segregação por cor ser adotada para preencher suas lacunas. Enquanto isso, sigo temeroso do dia em que chegarei em um restaurante e falarei: "Ei, garçom". E ele responderá: "Garçom não. Sou um profissional do ramo da logística alimentícia dentro de estabelecimentos comerciais". Não é muito mais bonito?! Temo também pela alteração do "parabéns para você". Afinal, seguindo a “cartilha do politicamente correto”, ninguém fica “mais velho”, como diz a letra. Apenas se aproxima da "melhor idade”. Que não me venham com essa história de “velho” em meu próximo aniversário! Eu processo, hein!

Mero espectador

Por mais que se trate de uma vida nova, de um universo diferente, no qual, prospecta-se um futuro brilhante, há certas coisas, pertencentes ao passado, que deixam lacunas. O bom dia da mamãe, o abraço do irmão, o conselho do pai, a lambida do cachorro logo ao despertar, o cheiro de café na tarde de chuva. Acontecimentos singelos, que compunham uma rotina, outrora julgada como monótona, mas que, hoje, são lembrados com saudade. E saudade é o que mais sinto. Infelizmente, não temos a prerrogativa de unir em um mesmo lugar nossos desejos, nossos objetivos e nossos amores. É utópico acreditar nisso. Fazer escolhas, trilhar caminhos distintos, abdicar e ceder, tudo faz parte da vida.

Considero-me uma pessoa de sorte. Não sei, nem faço ideia de onde, e para onde, essas mudanças, esses caminhos e bifurcações que o destino trama levar-me-ão. Entretanto, de antemão, possuo uma certeza: nunca encontrarei pessoas como eles. Considero-me sortudo. Além de uma família, de laços sanguíneos, admirável, em minha vida sempre tive a presença de "apêndices", se assim podemos definir. Apesar de a definição soar como secundária, como anexa, o papel destas pessoas sempre foi digno de grandes protagonistas, de suma importância.

Ontem, por exemplo, o dia era a nossa cara. Domingo, chuva, futebol, marasmo. Para muitos, um programa de índio. Para nós, tudo o que precisamos. Sinto falta de ir sempre ao mesmo lugar, para tomar a mesma cerveja, ouvir as mesmas conversas, as mesmas piadas, com as mesmas pessoas. Há sempre algo novo em nossa mesmice. E este é o ponto crítico. Corta-me o coração a cada foto postada, a cada comentário, a cada notícia. Meu riso não surge tão fácil, como antes. Ah, a minha ausência. De frequentador assíduo a "turista". De ator a mero espectador. Não é fácil. Temo, por vezes, perder o meu papel. Afinal, ninguém é insubstituível, salvo o sentimento, este fica.

Irmãos, parceiros, companheiros. Impossível nomear, criar um conceito estático. O curioso é que dentre suas particularidades, qualidades e defeitos todos assemelham-se. Fui mal acostumado por isso. Imaginei que não se tratava de uma peculiaridade de um grupo, que fosse algo raro. Não sabia que amizade e lealdade eram exceções. Sempre vivi nessa atmosfera de voluntariosidade, contudo, aos poucos, a vida fez com que eu despertasse, abrisse meus olhos. Independentemente das negativas, prefiro ficar com o bom exemplo. Procuro, todos os dias, ser um pouco de cada um, só um pouco deles. Não é fácil acostumar-me com a ideia que, daqui para frente, trata-se de um solo, ainda mais para quem sempre teve com quem contar em momentos de fraquejo ou de improviso. Não é fácil deixar de estar presente em cada acontecimento, em cada celebração, em cada simplório encontro. Não é fácil abdicar do privilégio de, além de escrever minha própria história, ser coautor de muitas outras. A ausência destronou-me. Perdi minhas regalias. Em nada ajo, pouco interfiro. Agora sou, apenas, um mero espectador.






Vamos quebrar paradigmas?


Convicção e perplexidade. Como dois termos tão contraditórios podem tornar-se tão próximos? Difícil responder. Entretanto, esses foram meus sentimentos após a palestra de Deca Soares, Coordenadora de Produção da Zero Hora. Uma pena que a sala 307 da Unipampa comporte apenas 60 ou 70 pessoas. O que se viu e ouviu ali foi muito mais do que uma explanação sobre jornalismo, comunicação, pauta, lead e afins. Foi muito mais do que uma palestra. Para alguns, um divisor de águas no tortuoso caminho da graduação. Para outros tantos, o momento de jogar a toalha. Hora de seguir o exemplo do caso contado por Deca e mudar o rumo da história. Hora de dizer adeus, ao menos para o jornalismo.

Essa quarta-feira, fantasiada de segunda, com uma atmosfera de ressaca, não veio apenas para cumprir tabela, como se diz no futebol. Foi um dia de ruptura, ao menos para mim. Quebrei alguns paradigmas, que, até o momento, aparentavam um hermetismo inconveniente, mas que, no fundo, tinha algum embasamento. Quando Deca adentrou ao recinto não precisou apresentar-se para que fosse reconhecida como Deca. Os olhares voltaram-se para ela. Vi um sorriso que destroçou qualquer pensamento maniqueísta, em relação ao chefe e ao empregado. Vi uma carregadora de fardos, e de fardos pesados, mas que cumpria sua trajetória com um andar seguro e elegante. Calçava saltos altos. Vi a convicção, pela primeira vez naquela tarde.

Porém, impressionante mesmo foi o início de sua fala. Contrariando a expectativa de um diálogo commodity, politicamente correto, Deca foi a fundo. A rotina, os desafios da profissão, as dificuldades do processo de convergência, a realidade, nua e crua. Commodity, por ali? Nem pensar. Aliás, sair deste viés de “mais do mesmo, por favor” mostrou ser uma preocupação, uma barreira a ser transposta. E como driblar este percalço? Deca responde: “com renovação”. Neste momento, percebi milhares de olhos brilhando. Em pensamento, planos eram traçados, portas eram abertas, possibilidades eram arquitetadas. A dúvida ficava por conta de quais olhos brilhavam mais. Os de quem ouvia, ou os de quem falava?

Quando Deca fala da Zero, ela é coração. A incondicionalidade do amor assemelha-se ao amor materno, contudo, é mais vibrante, tem mais pimenta. É paixão. E para integrar esta equipe, talvez, um anúncio perfeito seja: “Procura-se profissional vibrante, com brilho nos olhos e frio na barriga. Procura-se alguém com uma pitada de Deca”. Após a ressalva da importância na qualidade textual, luxo, hoje em dia, a explanação ia encaminhando-se para seu o fim. As dúvidas eram muitas, e de muitos. Aos poucos eram sancionadas. O relógio como sempre parece ter acelerado o tempo. É assim quando nos divertimos. Veio o final de palestra. Com ele, a oportunidade de uma conversa com Deca. Menos profissional que uma entrevista, mais sisuda do que um bate-papo. Foi dessa forma.

Achei que Deca já havia quebrado paradigmas suficientes naquela tarde. No entanto, voltou a surpreender-me. A experiente Jornalista, hoje, Coordenadora, não se considera realizada. Com humildade, diz que ainda engatinha em diversos aspectos. Diz ter sede de conhecer o novo, e que quer inovar. Pode soar pretensioso, porém, neste aspecto, enxergo aquela pitada de Deca em mim. Não sei o porquê. Mas, identifiquei-me. Era a convicção, mais uma vez, presente. Pouco mais de meia hora de conversa e Deca mantinha um olhar fixo, compenetrado, um tanto quanto intimidador. Quinze anos de Zero Hora. A disposição de um “foca”. A disponibilidade de um acadêmico. Quem foi à sala 307 da Unipampa – Campus São Borja, nesta quarta-feira, 2 de maio, não ouviu só uma aula de como fazer um jornal. Indico esta palestra para engenheiros, lixeiros, advogados, médicos, professores, pedreiros, enfim, para todos. Deca Soares não deu uma lição apenas sobre jornalismo. Mas deixou, sim, evidente o quão fundamental é amar o que se faz. Saí perplexo.

E passou mais um 22 de abril


E passou mais um 22 de abril. Não me diga que é uma data como outra qualquer, não é. Neste aspecto sou diferente, por vezes chato. Gosto de comemorar um ano e três meses de namoro, dia do amigo, dia da árvore, qualquer dia. As coisas são difíceis, eu sei. Mas, sobrepor às alegrias preocupações não melhora em nada. Apenas dificulta, torna obscuro, insosso. Se não é para comemorar que servem as datas comemorativas, qual sua função? Por que o asterisco no calendário? Por que o número destacado em vermelho? Pra que lembrar?

Sim, talvez seja mais fácil encarar tudo desta forma. Passividade além de um sinal de fraqueza é um ótimo escudo. Nunca vi alguém que não se envolve, não se doa, encontrar-se em maus lençóis. É como diz o ditado: “só erra o pênalti aquele que bate”. Eu prefiro arriscar. Este é o primeiro aspecto no qual somos diferentes. Não honramos aquela história de tal pai tal filho, nem de longe. Quem disse isto certamente não nos conhecia. Eu prefiro a praia, você a casa. Sou São Paulo, você Santos. Você queria um engenheiro, talvez ganhe um jornalista, um escritor, ou talvez não ganhe nada. Eu prefiro explodir, você conter-se. Você queria-me por perto, eu fui correr atrás do que sempre quis. Longe. Não que eu não tenha um “quê” de você aqui. O orgulho, os valores, a cabeça dura e o perfeccionismo estão aqui, intactos. Quem sabe sou uma versão potencializada sua, com uma pitada a mais de ousadia e teimosia.

Entretanto, a sensação na data, este ano, foi singular. Passado o êxtase inicial, o ímpeto da descoberta de uma nova vida, caí em mim. Por mais que a comemoração nunca tivera sido o foco, nem fosse a que julgo ideal, senti falta. Substituí a ansiedade do dia pela serenidade, a correria do presente por uma oração, um abraço, por mais singelo que fosse, e as palavras de carinho por uma ligação. Frieza. Sentimento que mais incomoda-me. Prefiro a hostilidade. Ela é muito mais sincera. A frieza traz consigo o mistério, guarda palavras não ditas, sucumbe segredos, não revela motivos. Só não temos mais a frieza do que a solidão. Mas isto é assunto para outra conversa, outro desabafo, quem sabe.

Disquei. Prontamente você atendeu, parecia esperar. E eu já esperava por isso. O timbre desanimado mostrava uma despreocupação preocupada. Preocupado não com o dia, não com o fato, não com a comemoração, mas sim preocupado com de que forma levar esse pesado fardo que a vida lhe dera sem fraquejar em nenhum instante. Ou, ao menos, não aparentar que as pernas bambearam durante alguma subida, ao virar a esquina. Isto é algo que admiro. Não sei se já te disse. Não acho correto. A responsabilidade deve ser dividida. Porém acho bonito o jeito como nos blinda das adversidades e toma pra si as dores. Mas às vezes são dores demais. E é normal desanimar. Só que me parece que o desânimo é constante agora, a alegria é a exceção.

Detectei tudo isso em segundos, só pelo respirar, conheço-te bem. Após meia dúzia de palavras e algumas impugnações de praxe, as quais também sinto falta, chegou a minha vez. Dei-te os parabéns. A voz tremulou. Foi o som da saudade. Daqui os olhos ficaram marejados, ainda bem que não pôde ver. Em pensar que tantas outras vezes tivemos essa oportunidade e não a valorizamos. Muito por nossas personalidades, muito pelo seu orgulho, muito por uma sucessão de acontecimentos infelizes que evaporaram com o que havia de emoção em você. E eu te entendo, de verdade. Sustentar este fardo não é fácil, e acho que a minha ausência faz com que ele pese mais. O dia que não era comum, mas não era especial, que não era feliz, nem triste, tornou-se de reflexão para mim. Pensei, matutei, vi e revi e constatei que foi necessária a distância para que ficássemos por perto. Temo pelo dia da sua partida. Sei que tudo é provisório. Você ainda não se deu conta. Talvez seja por isso que abusa de tudo, inclusive do tempo. Eu rezo. Rezo para que tudo fique bem, rezo para que você fique bem. Não serei tolo de brigar com o relógio. Somos reféns dele. O tempo dita as regras, nós apenas acatamos. Por isso, neste 22 de abril, não tive dúvidas. Agarrei a oportunidade, aproveitei a chance e disse: “Parabéns, Pai! Eu te amo”.